Este texto contém possíveis \”spoilers\”, palavrão e uma pitada de política. Mas preciso escrever enquanto estou enebriada da energia que tem um festival de cinema, da companhia de amigos interessantes, e um fundinho de uma pequena taça de vinho, que ninguém é de ferro.
Este ano, tive a sorte de presenciar as noites de abertura de dois festivais de cinema brasileiro que acontecem em Los Angeles, onde resido. Ambos realizados por mulheres, duas batalhadoras e realizadoras Mulheres Brasileiras.
Na abertura do Los Angeles Brazilian Film Festival (LABRFF), vi o filme \”Child of Nature\”, documentário de Marcos Negrão e Miguel Krigsner que mostra pessoas muito muito jovens – algumas na verdade ainda crianças – que fazem a diferença em suas comunidades ou no enfrentamento de questões (no mínimo) complexas em diferentes partes do mundo.
Elas atuam na defesa do meio ambiente, de crianças em situação de abandono e violência, refugiados de guerra. Sim, nós estamos criando uma sociedade tão doente e nojenta que as crianças estão tendo que deixar de viver o que seria uma boa infância para vir ao nosso socorro.
Saí de lá pensando que todo mundo precisava ver aquele filme, principalmente os \”donos do mundo\”, os donos do dinheiro, essa minoria odiosa e que odeia todo mundo que não tenha conta bancária gorda como a deles próprios.
Será que assistir a \”Child of Nature\” e ver a força e beleza dessas personagens reais (crianças!!!!!!) despertaria alguma forma de empatia nesses seres?
Ontem, fui à abertura do Hollywood Brazilian Film Festival e fiquei impactada de novo. O filme \”A vida invisível\”, de Karim Aïnouz, é mais um soco no estômago.
Quando a maravilhosa atriz Bárbara Santos falou sobre o filme, antes da exibição, usando a expressão bem contemporânea \”masculinidade tóxica\”, e pelo pouco que eu sabia a respeito (duas irmãs são tristemente separadas ao longo da vida) minha imaginação já me jogou na expectativa de um thriller, como uma das meninas sendo sequestrada, violentada. Algo bem dramático.
Mas o soco foi bem maior do que eu poderia prever. São mulheres que têm seus sonhos interrompidos, suas autonomias e escolhas pessoais totalmente podadas, seus corpos invadidos, simplesmente porque os homens à sua volta estão sendo… homens!
Quero dizer, o que nossa sociedade doente considera normal: Macho escroto. Macho escroto no dia-a-dia… Seja na forma de um macho-médico que comete violência obstétrica durante um parto; seja na forma de um macho-pai que expulsa a filha grávida de casa porque ela é solteira; seja na forma de um macho-marido que se acha superlegal mas que simplesmente busca saciar seus desejos sexuais sem a menor atenção ao que sente ou espera a sua companheira.
Em várias cenas que causavam desconforto em mim e em outras mulheres, eu me perguntava: será que os homens presentes nesta sala estão sentido algum desconforto também? Será que conseguem se reconhecer em algumas dessas atitudes tão triviais mas tão danosas? Será que sairão daqui com alguma reflexão e tentarão ser homens melhores amanhã?
Eu e outras mulheres com quem consegui conversar, saímos angustiadas. Acho que todas estamos pensando em perguntas do tipo: “Como é que nos permitimos, como sociedade(s), perpetuar situações tão absurdas, doentias? Como é que ainda hoje temos que discutir e lutar por direitos tão básicos e óbvios, em pleno século 21? Como é possível que nessa luta e debate não apenas os donos do dinheiro, interessados nessa perpetuação tão cruel, se oponham: Quanta gente que é gente como a gente condena atitudes ou discursos que sejam vistos como \”feministas\”, \”desse povo dos direitos humanos\”, \”esquerdopata\”???? Como se perpetua tamanha cegueira???
Mas saio também com um grande alento: Ainda (e principalmente no contexto atual) se faz o bom e lindo cinema no Brasil (assim como em muitos outros países). Essa é uma das coisas que fazem correr umas lágrimas e deixam a gente com um orgulho danado de ser brasileira.