Nos últimos dias, a
internet ficou em polvorosa com diversos relatos de pais que contavam a
assustadora história de vídeos da internet, em sua maior parte imiscuído em conteúdos
de crianças, trazendo a personagem “Momo”, uma espécie de demônio com olhos
esbugalhados e pálidas feições de ave, que além de espantar os pequenos
propunha desafios que envolviam violência e possível estímulo ao suicídio.
A ágora da internet, esse
campo louco e com leis pouco claras para a maioria dos usuários padrão, se
apresenta como um mar de infinitas possibilidades de entretenimento, cognição
e, atualmente, servem como distração para crianças de todas as idades. Milhões
de conteúdos, vídeos, jogos e atividades, aplicativos modernos que desenvolvem
aspectos educacionais, seriados, vloggers… Enfim, toda uma gama de
possibilidade que atraem a todos. Vale lembrar que, nem mesmo nós adultos,
conseguimos viver uma vida desconectada. Apresentado este cenário tão familiar
a todos nós, que atire a primeira pedra os pais que nunca usaram um tablete
como ferramenta mágica para deixar crianças entretidas em ambientes públicos
como restaurantes, consultórios e demais espaços.
Além de servir como
“babá”, em momentos em que nós, pais cansados, precisamos nos desdobrar entre
as diversas atividades do dia, a internet faz parte de nosso convívio social.
Gosto de brincar que estamos em uma nova fase do desenvolvimento humano – se o
dedo polegar representou um marco antropológico para a nossa espécie, o dedo
útil, aquele com o qual as crianças já aprendem a mexer em tablets e
smarthphones, mesmo antes de aprenderem a comer sozinhas ou falar, marca um
novo momento da evolução de nossa espécie.
Talvez, todo esse cenário
e os recentes acontecimentos do “troll” que assustou crianças de diversas
famílias – como as minhas filhas de 3 e 5 anos que assistiram o conteúdo meses
atrás, muito embora tenha sido tratado como fakenews ou pânico coletivo, nos
oferece uma oportunidade rica de diálogo e ponderações: é preciso falarmos
sobre segurança na internet.
Neste sentido, tenho
refletido como mãe sobre a melhor forma de lidar com esse tipo de crise no
âmbito familiar. Tenho uma relação extremamente aberta com as meninas, ainda
que elas sejam muito novas. Sempre procuro abordar os assuntos de forma clara,
desde a minha separação. Talvez, o esforço de tentar ao máximo manter uma linha
de diálogo com poucas firulas e acessórios de linguagem seja a minha forma
materna de lidar com a realidade; tenho pouco tempo para acompanhar de forma
integral suas atividades diárias e não gosto, por predileção pessoal, do
linguajar infantilizado e pouco consistente.
Cheguei do trabalho
tarde, nesse dia em específico, e tratei logo de iniciar o assunto sobre os
vídeos. Beatriz me informou que sabia do que se tratava e a pequena Cecília
logo completou que tinha medo dos vídeos da Momo. Falamos sobre se machucar,
propositalmente, e nas implicações que isso gerava. Falamos sobre de sentir
triste e termos medo de contar aos mais velhos; sobre sentir receio de confiar
na mãe e na avó. Falamos sobre morrer e sobre a morte de outras pessoas;
assuntos pesados e difíceis de tratar com elas.
Mas falamos sobre coisas
que acontecem e estão aí, nas nossas caras, todos os dias. E elas se mostraram
extremamente abertas ao diálogo, inclusive sobre deixar de existir. Falamos
superficialmente sobre privacidade e sobre integridade física e emocional;
sobre se sentir exposto e sobre julgamentos, de forma geral.
Não tinha me preparado
para isso tão cedo. Havia me desdobrado em cuidados com acesso delas ao mundo
virtual. Instalei um aplicativo de monitoramento remoto do Ipad, restringi o
acesso aos conteúdos diversos, baixei os filmes da Disney para que não fosse
necessário o acesso à internet, cadastrei o Netflix e o Youtube nas versões
kids. Mas nada disso foi suficiente. Elas viram.
Não adianta confiarmos na
bolha de segurança que imaginamos que seja suficiente; elas não são. E ainda
que as recentes aparições da Momo sejam frutos de fakenews ou de histeria
coletiva, uma centelha de dúvida paira sobre as cansadas cabeças dos pais; será
que nossos filhos estão protegidos? Não, não estão.
A ocasião resultou em um
projeto de lei de autoria do deputado Célio Studart, parlamentar que eu
atualmente assessoro. Protocolado em 19 de março, o PL altera o Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de fevereiro de 1940, para aumentar a pena do crime de induzimento,
instigação ou auxílio a suicídio.
Se o suicídio se
consumar, a pena de reclusão passaria de oito a 15 anos, em vez dos atuais dois
a seis. Caso a tentativa resultar em lesão corporal de natureza grave, a
punição vai de quatro a dez anos, ante os atuais de um a três. Em ambos os
casos há previsão expressa de duplicação da pena.
Certa de que, além dos
casos mais extremos, há inúmeros outros prejuízos – muitas vezes subjetivos,
atrelados ao mau uso da internet. São inúmeros o caso de exposição de fotos
íntimas, contato com redes de pedofilia, bem como questões mais leves como
incentivo ao bullying, comportamentos agressivos ou de consumo, tenho em foco
que é urgente antecipar diversas falas com as minhas filhas sobre todas essas
questões.
Momo, sendo falsa ou não,
nos oferece uma excelente oportunidade para tratarmos, acima de qualquer coisa,
sobre cidadania e seu arcabouço de valores, direitos e obrigações.
É imperativo que usemos
nossa relação de confiança, entre pais e filhos, para estabelecer nossos
parâmetros, desenvolver protocolos de segurança adaptados a nossas realidades.
E importante que falemos, cada vez mais cedo, sobre assuntos que poderíamos nos
dar ao luxo, no mundo anterior ao da hiperconexão, de tratar com mais idade. E
a gama de assuntos trazem conteúdos dos mais variados; sexo, drogas,
privacidade, consumo, bullying e comportamentos violentos, depressão, confiança
e diversos outros.