Para resolver os problemas da gestão da Saúde do Distrito Federal, o governo local mirou no servidor, como se quem se desdobra para prestar assistência à população em condições completamente desfavoráveis fosse responsável pelo caos que subsequentes governos e gestões ineficazes deixaram se avolumar.
É de conhecimento público que as condições deterioradas de trabalho têm provocado alto índice de absenteísmos por adoecimento. Transtornos mentais e comportamentais, leia-se ansiedade e depressão, fizeram quase 20% dos servidores ser afastados do trabalho. O reflexo na prestação de assistência à população é desastroso, tanto se o servidor é afastado quanto se trabalha doente.
A piora desse quadro é, com certeza, o resultado imediato do encaminhamento do projeto de lei que propõe a entrega de toda a rede pública de saúde à gestão de uma pessoa jurídica de direito privado, e a extinção das carreiras dos servidores cedidos dos quadros da Secretaria de Estado de Saúde do DF.
Ansiedade e depressão por saber que, enquadrados em uma carreira em extinção, estão condenados a ter desvalorizados os salários com que sustentam suas famílias e porque, obviamente, a perspectiva de aposentadoria vai para o ralo.
Não tem como dourar a pílula: o projeto de lei encaminhado pelo governador Ibaneis Rocha à Câmara Legislativa é estelionato eleitoral, fere a Lei Orgânica do Sistema Único de Saúde (Lei no 8.080/1990) e, se adotado, traria uma série de outros problemas ao Distrito Federal como a probabilidade de quebra do Instituto de Previdência dos servidores do Distrito Federal.
A Lei do SUS define que ele é constituído pelo conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais, da administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público. Mais que isso, ela define que a iniciativa privada (pessoas jurídicas de direito privado) pode participar do SUS apenas em caráter complementar. Decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) em Ações de Inconstitucionalidade sobre a participação de organizações privadas da sociedade civil na gestão da saúde reafirmam esse princípio constitutivo do SUS.
Vamos frisar isso: a gestão privada só pode complementar a gestão pública naquilo que o Estado não pode prover – não pode substituí-lo.
A entrega da gestão de unidades de saúde a organizações privadas da sociedade civil nem de longe é garantia de solução de problemas e teve efeitos desastrosos, como no Rio de Janeiro, onde houve aumento de custos e uma sequência de escândalos de desvios de recursos da Saúde e superfaturamento. Na Inglaterra, o modelo de participação da iniciativa privada na prestação de serviços públicos, que se estabeleceu a partir da década de 1970 e ganhou força 20 anos depois, em momento de crise, colocaram o Estado em situação de dependência e os custos se tornaram mais altos do que a prestação direta de serviços. Hoje o país faz o caminho inverso, estatizando o que foi privatizado, terceirizado ou compartilhado com a iniciativa privada.
Entre os servidores, o PL de Ibaneis já está sendo chamado de “PL da Morte” e “PL da Extinção” e o medo se alastra como uma praga entre as demais categorias profissionais do serviço público. Diante da ameaça, profissionais que se animavam para participar de um processo de resgate da saúde pública do Distrito Federal agora encaram os pacientes se perguntando “o que será de nós?”