Nascido e criado em Brasília, Rafael Parente, 41 anos, começou a dar aulas de inglês aos 17 em cursinhos e para amigos e familiares. Em seu primeiro vestibular, passou em primeiro lugar para Economia na UnB. Mas só cursou um semestre. Passou no vestibular do Ceub e formou-se em Publicidade. Ministrava suas aulas durante o dia e estudava à noite.
A convite de uma amiga, em 1999 e 2000 participou, no Centro Comunitário do Varjão, de sua primeira experiência com comunidades carentes. “Aquilo me fez questionar e refletir muito sobre a minha vida. Foi o meu primeiro contato real com a pobreza”, emociona-se. “Comecei a ter relação de afeto com as crianças e os jovens, o ponto de elas me chamarem de pai, o que me fez refletir sobre muitas coisas. Com 18 anos, eu achava que tinha problemas que na verdade eu não tinha. Eu tinha uma casa, comida, família”.
Sua maior referência para o magistério foi sua mãe, Maria Lúcia, que era professora. “Eu a via na sua prática de educação, mas ela não queria que eu fosse para a área de educação. Mas eu gostava de vê-la planejando aulas e eventos, corrigindo provas e cadernos, e pedia para ajudá-la. Achava aquilo muito bom. Desde criança eu já queria ir para a área”.
Após a experiência no Varjão, Parente avisou aos pais que realmente queria ficar na área de educação. Nunca atuou na Publicidade, em que se formou. “Eu via uma desigualdade ali, e não conseguia mais ficar tranquilo. Não achava justo a gente ter crianças miseráveis, que não têm nada, enquanto eu tinha tudo de que precisava para uma vida confortável e de qualidade”.
Nesta entrevista ao Brasília Capital, o secretário de Educação fala de seu ideal de “fechar a torneira das desigualdades, da reprodução da miséria na sociedade” por meio da promoção da educação de qualidade para todos. “Não há outra maneira. Por mais que a gente possa ter políticas de redistribuição de renda, se não resolvermos a educação, continuaremos enxugando gelo”.
Após decidir dedicar sua vida à transformação da educação no Brasil, Parente matriculou-se como aluno especial na UnB e depois foi estudar fora do País. Fez mestrado de gestão de educação na Universidade de Pace, nos Estados Unidos. O curso era baseado em problemas que as escolas americanas enfrentavam. Já o doutorado PhD na NY University, que fez em seguida, olhava para a educação internacional e desenvolvimento, observando como diferentes áreas do mundo entendem a educação e que link existe entre educação e desenvolvimento sócioeconômico e cultural humano.
Ao retornar ao Brasil, em 2008, Parente foi trabalhar como pesquisador da educação no Rio de Janeiro, onde reencontrou a amiga de seu pai, Pedro Parente (ex-presidente da Petrobras), Claudia Costin, então secretária municipal de Educação. Foi ela que, no final do ano passado, sugeriu seu nome à deputada federal eleita Paula Belmonte (PPS), que o indicou para a Secretaria de Educação de Ibaneis Rocha (MDB).
Que diagnóstico o senhor faz da Educação de Brasília? – Acredito que numa perspectiva nacional a gente está bem. No principal ranking, o do Ideb, o DF está na quarta ou quinta colocação, dependendo de qual etapa de escolarização se observe. Temos excelentes profissionais e uma proporção muito grande de mestres e doutores. E não é só isso. Temos gente muito bem formada aqui na nossa rede.
Essas pessoas não estão subaproveitadas? – Acho que é mais uma questão de desmotivação, baixa autoestima. Pessoas não acreditando que podem fazer um bom trabalho.
Seria uma consequência dos baixos salários? – Também. Mas é muito além disso. A gente precisa de um propósito, inclusive de um projeto político-pedagógico da rede. Precisamos entender que estamos fazendo um bom trabalho e que queremos virar referência em educação de novo. Houve uma época áurea da educação do DF, que era referência nacional e que todo mundo aplaudia.
Anísio Teixeira é resgatável? – Eu acho que sim, de forma adaptada. Estamos vivendo uma quarta evolução industrial. A sociedade está muito diferente. A gente pode pegar as mesmas ideias, modernizá-las e implementar na rede de educação de Brasília.
Por exemplo, o conceito das Escolas Parques, com educação integral e complementada? – Vários dos conceitos que estavam lá atrás são supermodernos. Mas, ao mesmo tempo, precisa-se integrá-los a coisas que avançaram muito. Hoje, por exemplo, a gente tem o uso de novas tecnologias, e isso não pode ser ignorado dentro de um contexto das escolas parque. A gente tem avanços muito fortes nas neurociências.
Seria uma escola parque virtual, a distância? – Não. Não tem como você fazer uma educação integral, promover um desenvolvimento de todas as dimensões humanas sem o olho no olho. Sem o toque, sem o contato físico entre pessoas. Nenhuma educação completamente a distância é uma educação integral, completa. Pra você desenvolver as dimensões humanas, é preciso uma interação humana real.
Paulo Freire tem espaço na sua pedagogia? – Paulo Freire tem várias obras incríveis. É o patrono da educação no Brasil. Já li vários livros dele. Ele tem falas incríveis e outras que são voltadas para o Marxismo. Então, algumas coisas a gente pode aproveitar na educação e outras são mais complicadas. Ele foi o criador da pedagogia do oprimido, da esperança, enfim. Não existe um filósofo da educação mais importante. Outra coisa é que existe muita interpretação errada em relação ao trabalho dele. As pessoas costumam casar muito a teoria dele com o construtivismo, mas ao mesmo tempo um construtivismo que não foi bem implementado no Brasil e na Argentina. Então, é um debate complexo. Tem muita coisa para falar de Paulo Freire que precisamos reconhecer e que pode ser implementado em nossas escolas. Agora, existem coisas mais complicadas, como eu disse.
Como está sua relação com o Sindicato dos Professores? – Estamos fazendo reunião com o Sinpro uma vez por semana.
A pauta tem sido salarial ou pedagógica? – As duas coisas. Na verdade, várias coisas, como condições de trabalho, salariais, pauta pedagógica, plano distrital de educação…
Uma das bandeiras do Sinpro é o pagamento da pecúnia dos aposentados. O GDF vai continuar pagando? – É uma questão complicada, porque não é só relacionado aos profissionais da educação. Está relacionado a todos os servidores. É uma dívida gigantesca. O ideal seria acelerar o pagamento das pecúnias e conceder as licenças-prêmio para não se contrair mais dívidas. Estamos estudando, enquanto governo, como diminuir o aumento da dívida e ao mesmo tempo aumentar o pagamento.
Administrações passadas tiveram um embate com os professores, inclusive supondo que existia uma indústria de atestados médicos, que deixa muitos professores fora de sala de aula. Qual o seu diagnóstico? – Tem uma série de coisas. Primeiro: a nossa sociedade está cada vez mais doente, com síndrome do pânico, ansiedade, suicídio. O mundo hoje está adoecendo mais. Para os professores, é complicado. Professor hoje não é mais aquele que chega e manda todo mundo calar a boca, escreve no quadro e manda os alunos copiarem. Não é mais assim. Tem a violência de fora que invade a escola, porque ali é uma microssociedade. Como você não consegue blindar os professores disso, é óbvio que eles vão adoecer, estressar, etc. A porcentagem de atestado médico de professor no DF não é a maior. A gente está dentro da média nacional.
O senador Cristovam Buarque apresentou várias sugestões para a sua área ao governador Ibaneis. Quais delas o senhor pretende encampar? É plausível a proposta de criar cidades-modelo para experiências educacionais? – Acho que é viável. Vai depender do quanto de recursos extras vamos conseguir com parcerias com MEC, FNDE, etc. A gente está pensando em pegar uma das coordenadorias regionais e fazer isso.
Qual? – A primeira ideia seria em São Sebastião. Mas, isso são planos. Não tem nada fechado ainda.
Por que São Sebastião? – Porque é o lugar que tem menos escolas e mais turmas superlotadas.
O ambiente das escolas não desmotiva aluno e professores? Por que a escola do Plano Piloto pode ser bonitinha e a da periferia tem que ser parecida com uma penitenciária? – Primeiro tem o status socioeconômico de cada localidade. São realidades completamente diferentes.
Mas o dinheiro do Estado é o mesmo… – Sim. Mas é uma questão de segurança do Plano Piloto, que é diferente. Existe uma questão de gestão que precisa se resolver também. A escola da 302 Sul, por exemplo, é apadrinhada pela Câmara dos Deputados. Ou seja, vai mais recurso para lá.
O senhor pretende aumentar a integração com as forças de segurança, principalmente com a PMDF? – Sim. Já tivemos conversas com eles. O batalhão escolar já chegou a ter mais de mil pessoas. Hoje não tem 300. O ideal é que a gente consiga melhorar. Tem outras coisas que podemos fazer para que haja no ambiente escolar relações de afeto entre as pessoas que estão ali.
O senhor sofreu uma rejeição de setores conservadores da política local porque vinha mantendo uma posição firme em defesa de uma escola que assegure a capacidade crítica dos alunos. Mas parece que recuou. Como vê a questão da ideologia de gênero? – O que eu falei foi que a partir do momento que eu aceitei o convite do governador para ser secretário de Educação, eu assumi também o que ele disse durante a campanha. Esses compromissos serão cumpridos. Eu não posso fingir que não existiu um pacto entre os eleitores e o então candidato, que se elegeu com esses votos. Eu não acho que a questão da ideologia de gênero cesse o senso crítico do aluno. Não vamos abrir mão de uma escola plural, que desenvolva o raciocínio crítico, que as pessoas pensem de forma autônoma e ao mesmo tempo fazer com que as pessoas sejam solidárias, autônomas, mas também competentes. As pessoas têm que sair do Ensino Médio lendo, escrevendo, interpretando, fazendo cálculos matemáticos, criando hipóteses e o tudo mais.
O senhor acha que o ensino religioso deveria ficar a cargo de instituições religiosas? – Sim. Concordo. O Estado é laico, não tem religião.
O senhor administra 672 escolas no DF, sem contar as creches conveniadas, dos quais 90%, de acordo com levantamento do TCDF, necessitam de reformas ou melhorias. Uma alternativa é o PDAF. O senhor pretende utilizar mais esse programa ou vai utilizar as licitações tradicionais? – As duas coisas. Porque uma hora ou outra vamos precisar de mais recursos para construir escolas. E o PDAF não dá recursos suficientes para isso. A gente quer melhorar a regulamentação do PDAF. Ele não vai deixar de existir. Queremos inclusive que os diretores recebam logo no começo do ano, sem atraso nas parcelas. Existe uma parcela de julho de 2018 que não pagaram e não vão pagar. Aí vamos ter que resolver os problemas com os diretores.
As aulas começam na data prevista e com material escolar para todos? – Estamos fazendo tudo que podemos para começar o ano letivo muito bem. Se a gente vai conseguir, eu não consigo te garantir agora. Eu dependo de uma série de circunstâncias, pagamentos, licitações…
Tem dinheiro no caixa? – Não. Inclusive, não fizemos o pagamento das férias no dia certo porque não tinha dinheiro. Mas isso já resolvemos.