Fernando Pinto
Paranoá, do alto da Ponte JK. Como mencionei em minha autobiografia O Menino que Tinha Medo de Gente, publicada recentemente, minha súbita e profunda paixão por Brasília aconteceu no exato momento em que pisei o chão brasiliense, na manhã de 23 de fevereiro de 1960, para cobrir, pela Última Hora, a visita do general Dwight Eisenhower, então presidente dos Estados Unidos, que seria ciceroneado por JK.
Mas esse indelével sentimento de amor implícito não foi motivado pela beleza arquitetônica projetada por Niemeyer, até porque de concreto concluído só havia mesmo o Itamaraty, os dois blocos do Congresso Nacional, os prédios do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal, ladeados pelos esqueletos dos edifícios dos ministérios.
Na verdade, o que me envolveu como um manto sagrado foi o que os espíritas chamam de energia cósmica, o que não era o caso de quem, como eu, era e continua fiel à sua fé presbiteriana. E essa mesma sensação de bem-estar e deleite, eu continuaria sentindo nos retornos como repórter à cidade em formato de avião, que conquistaria a admiração mundial.
Foi assim na inauguração da Capital, em 21 de abril daquele abençoado ano de 1960; na posse de Jânio Quadros, em 31 de janeiro 1961, e na sua surpreendente renúncia sete meses depois, em 25 do aziago agosto; na tentativa frustrada de golpe militar, quase logo em seguida, pelo trio de ministros: general Odílio Denys, brigadeiro Grum Moss e almirante Sílvio Heck; no fechamento do Congresso Nacional pelo ditador-general Castelo Branco; e incontáveis vezes, profissionalmente, até que vim para ficar, em 1981, e me inserir, eternamente, no coração da cidade Bem-Amada (**).
Desde então, procuro usufruir o conforto que a Capital oferece aos seus moradores, incluindo a caminhada matinal sob a abóbada de árvores frondosas, das quais ouço os trinados maviosos de sabiás e o alegre pi-pi-pi dos pardais. Como aqui em casa minha mulher Ledinha, meus filhos Fernanda, Cláudio, meu genro Marcus são todos espíritas e acreditam na reencarnação, caso aconteça comigo, pedirei a São Pedro, o porteiro do Céu, para renascer em Brasília, de preferência numa maternidade da Asa Sul.
Amém!
(**) Já está registrado em Cartório: depois de morto, meu corpo será cremado e as cinzas serão jogadas no Lago Paranoá, do alto da Ponte JK.