Janeiro de 2025 marca o 160º ano do início da Guerra do Paraguai, o maior conflito militar da história da América do Sul, envolvendo o Paraguai contra a chamada Tríplice Aliança – Brasil, Argentina e Uruguai. Tratou-se de uma guerra permeada de narrativas distorcidas, dentre elas, uma forte mistificação sobre o Paraguai da época.
De forma alguma se tratava de uma potência regional emergente, vivendo um surto industrial, com as primeiras ferrovias do continente e que ameaçava os interesses da Grã-Bretanha. Nada disso! Sua propalada siderúrgica de Minas Cue (La Rosada), em Ibycuí, não passava de uma modesta forjaria, e sua malha ferroviária não passava, em 1865, de uma única linha de 50 Km ligando Assunção a Pirayú, ao passo que o Brasil já possuía cerca de 400 Km de ferrovias e a Argentina, 350 Km – até 1890, terão 10.000 Km cada.
O Paraguai era um país com escassos 520 mil habitantes, que havia decretado sua independência da Espanha em 1811 (só reconhecida pela Argentina em 1852, pois o considerava parte de seu território, e pelo Brasil em 1844). Já o Brasil, independente desde 1822, contava com 9,5 milhões de habitantes e a Argentina – independente desde 1816, mas em constante conflito entre unitaristas (Buenos Aires) e federalistas (províncias que pleiteavam maior autonomia) – possuía 1,8 milhão de habitantes.
O pequenino Uruguai, objeto de disputa entre Brasil e Argentina, independente desde 1828, possuía parcos 220 mil habitantes. A guerra teve origem no conflito interno uruguaio entre os partidos Blanco e Colorado (que existem até os dias atuais), e que teve a intromissão de Brasil e Argentina ao lado dos colorados.
O governo blanco de Bernardo Berro tentava limitar a ação de latifundiários gaúchos instalados no Uruguai, que insistiam em levar cativos para suas terras e explorar o trabalho escravo no país, proibido desde 1842 (46 anos antes da abolição no Brasil). Diante da ação da polícia uruguaia, o imperador Pedro II enviou tropas que invadiram o Uruguai em outubro de 1864, junto com as milícias coloradas de Venâncio Flores.
O Paraguai, aliado do governo uruguaio, temendo restrições à navegação na bacia do Prata, protestou contra a intervenção brasileira e em novembro apreendeu o navio Marquês de Olinda, que transportava pelo rio Paraguai o governador do Mato Grosso para Cuiabá. Mas além de buscar garantir a justa livre navegação na bacia do Prata (única saída do país para o mar), Solano López tinha o desejo de recuperar parte do território paraguaio “surrupiado” por brasileiros e argentinos nos séculos XVII e XVIII.
E que território era esse? Ele compreendia as bacias do médio Paraná, do médio Paraguai e do alto Uruguai, habitada pelos povos guaranis. A região, denominada pelos espanhóis de Nueva Andalucia, era comandada por Assunção, fundada em 1537. Com a chegada dos jesuítas espanhóis, no início do século XVII, foram instaladas na década de 1620 diversas missões/reduções em toda essa vasta região, que tinha quase 1 milhão de Km².
No atual território brasileiro, ela compreendia a chamada Província Jesuítica de Itatin (sul do Mato Grosso, entre os rios Paraguai, Miranda, Ivinhema, Paraná e Apa, com cerca de 110 mil Km²); a Província Jesuítica de Guayrá (grande parte do atual estado do Paraná, entre os rios Paraná, Paranapanema, Tibagi e Iguaçu, com cerca de 130 mil Km²); a região de Palmas (entre os rios Iguaçu, Chopim, Chapecó, Uruguai e Pequeri-Guaçu, com cerca de 30 mil Km²), e as Reduções do Tape (entre os rios Uruguai, Ibicuí, Jacuí e Taquari, com cerca de 150 mil km²).
Essas terras, que somavam 420 mil Km², foram devastadas pelos bandeirantes paulistas em busca da escravização de indígenas. Quase toda essa vasta área (exceto o extremo sul do Mato Grosso) foi cedida pela Espanha a Portugal pelo Tratado de Madri, de 1750.
Ainda no início do século XVIII foram reinstaladas missões jesuítas espanholas no atual noroeste do Rio Grande do Sul (Sete Povos das Missões), mas o território foi cedido a Portugal pela Espanha pelo Tratado de Santo Ildefonso em 1778.
Pela Argentina, o território anexado compreendia o centro da chamada “Mesopotâmia argentina” (atual província de Corrientes), com 88.000 Km². O Paraguai havia perdido quase metade de seu território, ficando reduzido a 500.000 Km².
Tendo constituído o maior e melhor armado exército da América do Sul, López, ao buscar recuperar os territórios perdidos, superestimou suas forças e subestimou Brasil e Argentina, dotados de território, população e base econômica muito superiores. A título de comparação, antecipou em 75 anos o mesmo erro cometido pela Alemanha de Hitler ao declarar quase simultaneamente guerra aos poderosos EUA e URSS.
No fim de dezembro de 1864 o Paraguai declarou guerra ao Brasil e, em janeiro de 1865, enquanto as tropas brasileiras sitiavam Montevidéu e substituía o governo blanco de Aguirre pelo colorado Venâncio Flores, tropas paraguaias penetraram no Mato Grosso, indo até Corumbá, ocupando o que havia sido a Província de Itatín.
Na sequência, até setembro de 1865, o Paraguai invadiu e conquistou Corrientes na Argentina; São Borja e Uruguaiana no Brasil e Salto, no Uruguai. Mas a constituição do Tratado da Tríplice Aliança, em maio, envolvendo Brasil, Argentina e Uruguai, selou a sorte paraguaia na guerra.
O Paraguai é derrotado em junho na decisiva batalha naval de Riachuelo e até dezembro de 1865 as cidades ocupadas foram reconquistadas. A partir de 1866, a guerra foi transferida para solo paraguaio e os quatro anos seguintes são marcados por sucessivas vitórias aliadas, que ocuparam Assunção em janeiro de 1869. A morte de Solano López, em março de 1870, selou o fim da guerra.
Um Censo realizado em 1871 revelou que dos 520 mil paraguaios de 1864, 300 mil (57%) morreram no conflito. Dos 180 mil homens adultos, 150 mil pereceram (83%), sobrevivendo apenas 30 mil. Morreram ainda, de fome e doenças, 40% das mulheres adultas, sobrevivendo 110 mil e 50% das crianças.
Mas havia uma sórdida cláusula secreta no Tratado da Tríplice Aliança, que permitia a anexação pelo Brasil do extremo sul do Mato Grosso (entre os rios Apa, Branco e Ivinhema, com 62 mil Km²) e pela Argentina, da região entre os rios Pilcomayo e Bermejo, que hoje abrange toda a província de Formosa (72 mil Km²) e o nordeste da província de Salta (37 mil Km²) e da atual província de Misiones (30 mil Km²). Ao invés de recuperar seus domínios perdidos, o Paraguai perdeu mais 200 mil Km² ou 40% de seu território, limitado agora a 300 mil Km².
Contudo, na Guerra do Chaco, de 1932 a 1935, o Paraguai derrotou a Bolívia e se apropriou de pouco mais de 100 mil Km² do chamado Chaco Boreal que estavam em litígio, perfazendo seu atual território de 406.750 Km². Essa é a verdadeira história dessa guerra assimétrica que envolveu esses quatro países, hoje ligados por laços de parceria e amizade no Mercosul, mas com uma enorme rivalidade quando se trata de futebol.